AMIZADE
CAMPEIRA
POR CERTO ERA A ÚLTIMA VEZ
QUE CRUZAVA A PORTEIRA DA ESTÂNCIA
AONDE VIVERA DESDE CRIANÇA
OUVIU O BATER DO CADEADO
FECHANDO UM CICLO DA VIDA
SENTIU A ALMA FERIDA
SEUS TRASTES NO LOMBO DO PINGO
ESTAVA PARTINDO
EM UM ADEUS DE DESPEDIDA
A FAZENDA VENDIDA
O LUCRO NO BOLSO DO PATRÃO
FOI DESPACHADO COMO ÚLTIMO PEÃO
ÊLE, O MAIS ANTIGO POSTEIRO
CONHECEDOR DE CADA FIO DO ARAMADO
CAMPO, COXILHA, BANHADO
NÃO TEM MAIS SERVENTIA
FOI MANDADO “À LA CRIA”
NA ESTRADA MAIS UM DESEMPREGADO
PASSOU UNS TEMPOS NA VILA
FOI VIVENDO DE CHANGA
COMENDO BÓIA EM VIANDA
AOS POUCOS VENDEU SEUS TROÇOS
CAVALO, SELA, ARREIO LINDAÇO
TESOURAS DE PURO AÇO
SÓ GUARDOU A PRATEADA
DE HERANÇA EM HERANÇA PASSADA
PERDIDAS NO TEMPO E ESPAÇO
QUASE SEM SE DAR POR CONTA
NUM PROJETO SEM IGUAL
FOI PARAR NA CAPITAL
NA CASA DE UMA IRMÃ
ALÍ, COMO TANTOS FAVELADOS
PASSOU POR MAUS BOCADOS
MORANDO EM BECOS E VILAS
BISCATEANDO POR UNS PILAS
SENTIU-SE COMO TANTOS DESGARRADOS
AGORA EMPREGADO
COMO PORTEIRO DE UM PRÉDIO
PRA MATAR HORAS DE TÉDIO
VOLTA AO TEMPO PASSADO
QUANDO TINHA BOA ESTAMPA
ÍNDIO LARGADO NA PAMPA
ASSOVIA UMA COPLITA FACEIRA
LEMBRANDO DE UMA VANERA
BAIXINHO, UM VERSO AINDA CANTA
OLHA ATRAVÉS DA PORTARIA
E AO INVÉS DO CAMPO DOBRADO
VÊ UM GRAMADINHO APARADO
AO INVÉS DO CUSCO OVELHEIRO
VÊM “DOG” MUITO ESTRANHO
PERFUMADO AO SAIR DO BANHO
AO INVÉS DO AÇUDE, BANHADO
UM TANQUE COM PEIXINHO DOURADO
SENTE-SE ESTRANHO, APARTADO DO REBANHO
NA VILA O DIVERTIMENTO
É BAILE “FUNK”, PAGODE
UM BERRA E OUTRO SE SACODE
SAUDADE DAS BAILANTAS
COM GAITA, PADEIRO, VIOLA
XOTE, VALSA, VANERA PACHOLA
OUTROS TEMPOS
OUTROS VENTOS
QUANDO AINDA CAVALGAVA A “BATER COLA”
NUNCA ABANDONOU O COSTUME
DO CHAPÉU, BOTA E BOMBACHA
AS VEZES ATÉ “ALPARGATAS”
FAÇA FRIO OU SOL QUE RACHA
POR CARINHO OU GOZAÇÃO
FOI APELIDADO DE: GAUCHÃO
SÓ ABANDONOU A PRATEADA
POR ORDEM DA BRIGADA
EVITANDO GANHAR VOZ DE PRISÃO
NUMA VOLTEADA PELA CIDADE
DESCOBRIU UM DIA
NO TAL PARQUE DA HARMONIA
O ACAMPAMENTO FARROUPILHA
COM O OLHO BEM ARREGALADO
BOMBEIA TUDO ADMIRADO
PRENDAS DE SAIA RODADA
GAUCHADA BEM PILCHADA
PARECE SONHAR, MESMO ACORDADO
NESTE GRANDE RODEIO
SENTE-SE NOVAMENTE EM CASA
O CORAÇÃO CORCOVEIA EM BRASA
CHEIRO DE SUOR DE CAVALO,
FUMAÇA, VIOLA, GAITA DE BOTÃO
ATIÇA A ALMA DO GAUCHÃO
CAMINHA MEIO FLUTUANDO
VAI TUDO BOMBEANDO
VOLTA À ORIGEM, GAUDÉRIO, MONARCA, PEÃO
VÊ DENTRO DOS GALPÕES
A GAUCHADA MATEANDO
ALGUNS, UMA COSTELA LONQUEANDO
GOSTARIA DE ESTAR NO MEIO
DAQUELA FRATERNIDADE
“A LA PUTCHA BARBARIDADE”
CARRETEIRO FEITO COM BANHA
GOLPEANDO UM TRAGO DE CANHA
MAS TRISTE, VOLTA À REALIDADE
DE REPENTE PERCEBE
UM SORRISO AMIGO
NEM ACREDITA QUE SEJA CONSIGO
NUM “AVANÇA COMPANHEIRO”!
NÃO BANQUE O TRONQUEIRA
ÊSTE É O “AMIZADE CAMPEIRA”
UM PIQUETE DE AMIGOS
TODOS SÃO BEM RECEBIDOS
ESTÁ SEMPRE ABERTA A PORTEIRA
DE NOVAMENTE
SUA VIDA TOMA SENTIDO
AO SER BEM RECEBIDO
POR AQUELES PEÕES E PRENDAS
NUM MOMENTO, NUM REPENTE
DE NOVO OLHA O MUNDO DE FRENTE
OS PATRÕES REJANE E GILBERTO
O RECEBEM DE CORAÇÃO ABERTO
LHE FAZENDO VOLTAR A SER GENTE
É A ALMA GALPONEIRA
NESTE REDUTO DE UMA RAÇA
CURTIDA PELA FUMAÇA
DESTA CRIOULA OFICINA
NO VELHO FOGÃO CAMPEIRO
SE AQUECENDO NO BRASEIRO
A PROSA DE IRMÃO COM IRMÃO
MANTENDO A TRADIÇÃO
DÊSTE POVO SUL BRASILEIRO
TUDO QUE É BOM SE ACABA
ATÉ O SOL NEM SEMPRE BRILHA
FINDANDO A SEMANA FARROUPILHA
FICA NO AR UMA PERGUNTA
QUERENDO RESPOSTA VERDADEIRA
POR QUE PELA VEZ PRIMEIRA
DE JANEIRO À DEZEMBRO
NÃO SEJA UM 20 DE SETEMBRO
COMO NO PIQUETE “AMIZADE CAMPEIRA”?
Néco 02/15
